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Viniyoga Krama e a evolução nas práticas de Yoga

 

 

De acordo com a mitologia hindu, Gaumukh é reverenciada como a principal nascente do rio Ganges. Para se chegar até este maravilhoso lugar é preciso encarar uma sinuosa e perigosa estrada de rodagem até o vilarejo de Gangotri (3.048 metros) e depois caminhar mais uns 18 km até a geleira de onde nasce o rio. Em abril de 2007 o governo tinha acabado de reabrir a estrada que passa todo o período do inverno interditada com uma densa camada de neve. Nessa época eu me encontrava no norte da Índia e, sem a menor preparação, fui subindo o Himalaia apenas com meu entusiasmo e curiosidade. Como a estrada havia acabado de ser reaberta, a pequena vila de Gangotri quase não tinha estrangeiros. Isto me fez imaginar como deveria ter sido a Índia há milhares de anos atrás e aumentou ainda mais minha empolgação. 

 

No ónibus lotados de indianos, fazíamos um grupo de uns 10 estrangeiros de diferentes nacionalidades. Éramos todos jovens, exceto Marie, uma norte-americana de 70 anos. Por pura ingenuidade achei que deveria ajudá-la e, não só levei sua bagagem até a hospedagem, como fiz questão de ficar no quarto ao lado. Na minha cabeça, ela me parecia uma pessoa frágil para aquela situação.

 

Deslumbrado com o lugar e com a possibilidade de conhecer a nascente do Ganges, ignorando o frio e a inospitalidade do lugar, menos de 48 horas depois de chegar em Gangotri já estava caminhando na estreita trilha que leva a a geleira de Gaumukh. Assim como os outros estrangeiros, conseguimos constatar a magnitude deste lugar, mas sofremos muito com as adversidades encontradas. 

 

Minha ideia era passar uma semana lá em cima e ainda conhecer o vale de Tapovan(4.463 metros), que fica acima de Gaumukh. Assim como os outros estrangeiros, só consegui permanecer lá apenas por uma noite. Ninguém tinha roupa para enfrentar temperaturas negativas, calçados adequados nem mantimentos suficientes. Além do frio, muitos sofreram pela altitude com náuseas e enxaqueca ou se abateram com o cansaço. 

 

Apesar de estar maravilhado pela experiência de conhecer este lugar, voltei ao vilarejo de Gangotri, sob uma pequena nevasca, extremamente desgastado. Ao encontrar Marie, que não tinha ido, relatei-lhe minha experiência e fiquei um tanto preocupado com ela ao saber que iria começar a subir assim que o tempo ficasse firme.

 

Para minha surpresa, Marie falou sobre sua preocupação conosco. Ela achou um tanto inconsequente de nossa parte já começarmos a caminhar sem antes nos acostumamos com a altitude, sem ter roupas adequadas e nem ao menos esperar por um tempo mais estável. Em seu quarto, ela me mostrou inúmeros equipamentos e acessórios apropriados que tinha trazido, e disse já ter contratado um guia para ajudá-la na caminhada. Eu, que a tinha procurado para alertá-la, percebi que ela tinha total consciência sobre as dificuldades existentes e que estava muito bem estruturada para enfrentá-las. Um mês depois recebi noticias dela. Respeitando seu tempo e escolhendo as ferramentas corretas, degrau por degrau, Marie, além de conseguir chegar até Gaumuk e passar dias acampada em Tapovan, me deu uma aula maravilhosa sobre Viniyoga Krama.

 

Por imprudência, empolgação ou falta de conhecimento, muitas pessoas praticam sem a devida atenção sobre este aspecto. A evolução espiritual deve ser abordada de forma gradual para que possamos progredir com segurança. Existem pessoas que já querem começar com práticas avançadas. Isso tende a gerar dois resultados negativos. Ou o praticante sofre algum tipo de dano, tanto físico como mental, ou abandona a prática por acharem que o Yoga não serve para elas. Entre os iniciantes, é muito comum ver pessoas começarem a praticar Yoga já querendo resultados imediatos na meditação e se tornarem alongadas e saudáveis em pouco tempo.

 

De fato, o verdadeiro processo de transformação, na grande maioria das vezes, se dá de forma muito lenta. Talvez ele esteja distante devido à falta de uma boa estratégia para progredir. Por mais que esta abordagem a curto prazo dê a impressão de demorada, a longo prazo ela se mostra mais eficiente e sólida em relação as outras. Infelizmente muitas pessoas não conseguem se estruturar neste sentido e desistem da prática sem sentirem transformações significativas.

 

A compreensão da abordagem Viniyoga Krama e a orientação de um professor sensível são questões muito importantes para a evolução do praticante. Mesmo os praticantes que já se dedicam ao Sadhana por anos estarão sujeitos à estagnação, ou à regressão, caso não elaborem uma boa trajetória para progredir gradativamente em seus objetivos. Podemos perder muito tempo e energia, além de corrermos o risco de fazermos algo que seja prejudicial. Por exemplo: podemos machucar nossos corpos praticando Āsanas, caso não nos preparemos passo a passo para a postura. Também podemos nos tornar pessoas muito antissociais, ou até sisudas, caso nossas práticas meditativas estejam inapropriadas. É possível também nos tornarmos pessoas egoístas, que negligenciam os estágios de nossa vida e o ritmo da vida das pessoas que nos cercam, forçando para que a prática pessoal prevaleça como preferência em meio a todo resto. 

 

Por mais que o objetivo do Yoga seja abrir os horizontes de nossa visão, quando se mergulha nele de forma rápida e intensa, o sujeito tende ao fanatismo e a viver em contradição. A contradição a que me refiro ocorre caso uma pessoa se identifique com a filosofia do Yoga e mude apenas seu discurso e não sua maneira de viver. No momento em que esta pessoa passa a se identificar com estes novos valores, mas inconscientemente ainda se comporte como antes, ela passa a viver em uma grande ilusão. Isto dificulta o processo de autoconhecimento por dar uma falsa impressão ao sujeito de seu verdadeiro estágio. Esta situação é facilmente notada pelas pessoas que estão ao nosso redor, mas não para quem as vive.

 

As mudanças significativas em nosso ser demoram a acontecer. Devemos estar atentos ao constante processo de mudanças, onde pisamos e a direção em que estamos indo. Baseados nisto devemos adaptar progredir na prática de Yoga. É importante nos basearmos naquilo que sentimos e somos, e não no que gostaríamos de sentir e ser.

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